quarta-feira, 24 de junho de 2009

Estrutura tubular

Escrevo não sei o porquê , mas será mesmo que existe um porquê? Acredito que não. Já que todos os porquês de nossa fabulosa língua, juntos ou separados, jamais conseguirão definir a verdadeira motivação que se tem para escrever .
Escrevo porque escrevo! É , acho que isto já basta!


Naquele dia acordei com um exótico desejo, não sabia o porquê, mas era acometido por uma vontade inebriante de mergulhar em um mundo de pronomes , verbos , adjetivos e encantadores paradoxos duais, talvez fosse para expurgar aquele batimento acelerado do coração, ocasionado por mais um terrível sonho. Levantei-me rapidamente do conforto acolhedor de minhas cobertas e, ainda com o rosto amassado e com uma grande quantidade de secreção amarela incrustada em meus olhos, fui até o espelho. Olhei-me e o reflexo mostrava algo amedrontador, que imediatamente fazia com que me lembrasse das figuras infandas do sonho intranqüilo da noite anterior. Resolvi esquecer o sono mal dormido e parti rumo à cozinha onde saboreei o gosto amargo do café velho e que há muito tempo já havia esfriado , peguei um velho caderno de anotações e saí , para onde? Não tinha idéia! A única certeza que pairava sobre minha cabeça era que estava submetido a uma avalanche de incertezas. Não necessitei de muitos passos para que algo atraísse a minha atenção e fizesse com que sobressaltasse em minha cabeça a melancolia de um passado distante. Havia colocado-se diante de meus olhos o ícone da minha feliz infância , estava lá o parquinho onde diariamente ao entardecer desfrutava de suas fantásticas atrações . É claro que as coisas já não eram mais as mesmas , o gira-gira havia sucumbido em meio à ferrugem e não girava mais , o balanço encontrava-se deteriorado pelo constante e imperdoável ataque dos cupins e eu estava lá um pouco mais velho e plenamente aturdido pelo tempo. Adentrei com cautela o antro de minhas recordações e a cada passo que dava sentia o aumento de contrações involuntárias em meus músculos. Sentei por alguns instantes sobre o velho e acabado balanço quando uma imagem do passado sobrepujou meus pensamentos inconstantes , lembrei-me da coisa que mais gostava de fazer quando brincava por lá, entrava no túnel estreito de concreto que ligava de uma ponta a outra as extremidades do parquinho , permanecia por horas dentro do escuro e estreito túnel, gritava por horas entretendo-me com os ecos ocasionados pela acústica tubular do túnel, era meu refúgio. Fugia da notas vermelhas do colégio, das broncas de meus pais e da vergonha de um beijo roubado na garota mais bela da sala. Aquilo novamente me atraía de forma voraz, sentia-me com uma formiga momentos antes de atacar um belo doce, não hesitei, caminhei até meu antigo refúgio e agora com enorme dificuldade contorcendo-me de todas as formas possíveis para sentir novamente aquela escura e estreita tranqüilidade , com enorme dificuldade movi os braços, abri o antigo caderno coloquei a ponta da caneta sobre a sedutora folha em branco... E, então, o inesperado se revelou , estava eu torto , contorcido , desconfortável respirando aquele ar úmido na escuridão , porém os espasmos musculares haviam cessado, meus dentes não rangiam, de forma simples e singela novamente estava lá minha almejada tranqüilidade. Minhas mãos eram a única parte de meu corpo que ainda sentiam a intranqüilidade do exterior do túnel, já que se mantinham em constante movimento comprometendo- se em preencher todos os espaços em branco contidos na folha. Aprendi rápido. Voltei ao túnel na noite seguinte , levando comigo um cobertor quente e um grande e fofo travesseiro , finalmente , uma bela noite de sono.

8 comentários:

  1. Seu texto, ou pelo menos o começo dele, me lembrou um trecho do Caio!
    Gostei bastante, serio, escreva mais e mais...

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  2. finalmente um blog pra eu poder ler suas coisas, não?

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  3. poxa cara ,é incrível a forma de como consegue descrever seus momentos, e o que acha de tais...
    parabéns esse talento é para poucos,a arte de discrever as coisas minuciosamente, não cresce de uma hora pra outra...acredito que já nasça na pessoa.
    ah,meu apoio em relação ao que tu escreve???Sempre!
    Até.

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  4. Orra mano fico dahora, sua historia me entreteu bastante durante a leitura, ficou bom. Escreve mais ae que eu quero ler!
    abraço e nao pare..

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  5. Caro Eric... digo, Júlio... Conversando com meu amigo Djalma, concluímos de forma satisfatória que você, Maria e o Biel constituem uma coisa particularmente interessante: os anos 80 estão a salvo. Bichos grilos do século XXI remontam as histórias que havíamos começado e nunca terminaram.

    Hei, anos 80! Evoé, jovens artistas!

    Um abraço

    Izildo

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  6. Não se chega à primavera sem passar pelo inverno.
    O sol nunca é tão bonito quanto depois da chuva.
    A chuva nunca tão esperada quanto no estio.
    E a comida nunca tão saborosa quanto na hora que temos fome.

    "A vida é um sopro". Por que fazer tanto caso? A vida não dura. E depois que passamos, deixamos apenas silêncio. Silêncio coberto por outros que virão e também passarão.

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